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Quem é o dono do seu computador?
30/05/2006
(Tradução
livre de http://www.schneier.com/crypto-gram-0605.html#2. Esse
ensaio apareceu originalmente na revista Wired, e foi escrito por
Bruce Schneier)
Quando a
tecnologia serve a seus donos, é libertadora. Quando é
projetada para servir a outras pessoas, contra a vontade de seu dono,
é opressiva. Neste exato momento, há uma batalha sendo
travada dentro de seu computador —
uma batalha que coloca você contra vermes, vírus,
cavalos-de-Tróia, programas-espiões, atualizações
automáticas e tecnologias digitais de gerenciamento de
direitos1.
É a batalha para determinar quem é dono do seu
computador.
Você
é dono de seu computador, naturalmente. Você comprou-o.
Você pagou por ele. Mas quanto controle você tem
realmente sobre o que acontece em sua máquina? Tecnicamente,
você pode ter comprado o hardware
e o software, mas você tem menos controle sobre o
que está acontecendo nos "bastidores".
Usando o
sentido hacker do termo, seu computador "é dominado"
por outras pessoas.
Houve um
tempo em que somente os hackers mal-intencionados estavam
tentando dominar seu computador. Fosse através de vermes,
vírus, cavalos-de-Tróia ou outros meios, eles tentavam
instalar algum tipo do programa de controle remoto em seu sistema.
Então eles usavam seu computador para capturar senhas, fazer
transações bancárias fraudulentas, enviar spam,
promover ataques de phishing e assim por diante. De acordo com
estimativas, algo entre centenas de milhares e milhões de
computadores são membros de redes de "robôs"
controlados remotamente. Dominados.
Agora, as
coisas não são tão simples assim. Há todo
tipo de interesses lutando pelo controle de seu computador. Há
gravadoras que querem controlar o que você pode fazer com as
músicas e os vídeos que elas vendem a você. Há
empresas que usam software como um meio de coletar informações
de marketing, mostrar anúncios ou
fazer o que quer que seus verdadeiros proprietários ordenem. E
há as empresas de software que estão tentando
ficar ricas satisfazendo não somente seus clientes, mas
também outras empresas suas aliadas. Todas essas empresas
querem dominar seu computador.
Alguns
exemplos:
- Software
de entretenimento: em outubro de 2005, noticiou-se que a Sony tinha
distribuído um "rootkit" dentro de diversos CDs de música
— o mesmo tipo de software
que os hackers usam para dominar os computadores das pessoas.
Esse "rootkit" instalava-se secretamente quando o CD de música
era tocado em um computador. Sua finalidade era impedir que as
pessoas fizessem coisas com a música que a Sony não
aprovava: era um sistema de DRM2.
Se exatamente o mesmo software fosse instalado secretamente
por um hacker, seria um ato ilegal. Mas a Sony acreditava ter
razões legítimas para querer dominar as máquinas
de seus clientes.
- Anti-vírus:
você imaginava que seu software de anti-vírus
detectasse o "rootkit" da Sony. Afinal, é por isso que
você o comprou. Mas, inicialmente, os programas da segurança
vendidos pela Symantec e outros não o detectavam, porque
Sony tinha pedido para não fazê-lo. Você pode ter
pensado de que o software que você comprou estava
trabalhando para você, mas você estaria errado.
- Serviços
de Internet: o Hotmail permite que você ponha certos endereços
de e-mail em uma lista negra, de modo que as mensagens deles caiam
automaticamente em sua caixa de spam.
Mas você tentou alguma vez bloquear todos aqueles
e-mails de propaganda da Microsoft? Não dá.
- Aplicativos:
os usuários do Internet Explorer podem ter desejado que o
programa incorpo-rasse um jeito fácil de cuidar dos cookies
e janelas pop-up.
Afinal, outros navegadores o fazem, e os usuários
acharam esses recursos úteis para se defender das
inconveniências da Internet. Mas a Microsoft não vende
somente software para você; ela vende anúncios
na Internet também. Não é do interesse da
empresa oferecer a seus usuários as ferramentas que
afetariam negativamente seus parceiros de negócios.
- Programas-espiões:
um espião não é nada mais do que alguém
tentando dominar seu computador. Estes programas observam seu
comportamento e o relatam de volta a seus verdadeiros donos —
às vezes sem seu conhecimento ou consentimento.
- Atualizações:
o recurso de atualização automática é
uma outra maneira das empresas de software tentarem dominar
seu computador. Apesar de poder ser útil no aumento da
segurança, isso também requer que você acredite
que seu fornecedor de software não vai desativar seu
computador por falta de pagamento, quebra de contrato ou outra
suposta infração.
Programas
com anúncio (adware), software como serviço
e o programa de busca Google Desktop são todos exemplos de
alguma outra empresa tentando dominar seu computador. E a chamada
"computação confiável"3
só tornará pior o problema.
Há
uma insegurança inerente às tecnologias que tentam
dominar os computadores das pessoas: elas permitem que outros
indivíduos além dos legítimos donos dos
computadores imponham a política nessas máquinas. Estes
sistemas convidam os atacantes a assumir o papel da terceira parte
envolvida e fazem o dispositivo se virar contra o próprio
usuário.
Lembre-se
da história da Sony: a característica mais insegura
naquele sistema de DRM era um mecanismo encoberto que dava ao
"rootkit" o poder de decidir se você poderia vê-lo
funcionando ou se você poderia ver seus arquivos no disco.
Tirando a "posse" de você, ele reduziu sua segurança.
Se
deixados livres para crescerem, esses sistemas de controle externo
mudarão fundamentalmente seu relacionamento com seu
computador. Tornarão seu computador muito menos útil
deixando que empresas limitem o que você pode fazer com ele.
Deixarão seu computador muito menos confiável porque
você já não terá controle do que está
funcionando em sua máquina, do que ela faz, e como os vários
componentes de software interagem. No final, transformarão
seu computador em um glorioso aparelho de TV.
Você
pode lutar contra essa tendência usando somente software
que respeita seus limites. Boicote as empresas que não atendem
honestamente seus clientes, que não divulgam seus parceiros,
que tratam usuários como recursos de marketing. Use software
livre — software criado e
controlado por usuários, sem objetivos escondidos, sem
parcerias secretas e sem acordos de marketing feitos em porões.
Só
porque os computadores foram uma força libertadora no passado
não significa que o serão no futuro. Há um
poder político e econômico enorme atrás da idéia
de que você não deve verdadeiramente ser dono de seu
computador ou de seu software, apesar de ter pagado por ele.
1N.T.
no original, Digital Rights Management (DRM)
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